terça-feira, 22 de novembro de 2011

Como controlar as demandas físicas de jogo no treino complexo

Uma dúvida paira no ar quando falamos em treinos pautados nos jogos: como posso saber se o objetivo físico-técnico-tático-mental da sessão de treino está sendo atingido?
Em uma sessão de treino complexa, os jogadores são submetidos a uma carga de jogo, em que os fractais estão sendo desenvolvidos concomitantemente com o todo complexo.
Nesse tipo de sessão, o controle das variáveis do treino parece ser extremamente complicado e por vezes acaba sendo deixado de lado. Sendo assim, passo a fragmentar e a não ter controle daquilo que está acontecendo no treino.
Não tendo o controle das variáveis, deixo o acaso tomar conta da sessão e o desenvolvimento da performance de jogo de minha equipe fica extremamente prejudicada.
Em um treino pautado na complexidade preciso saber qual a demanda física, técnica, tática e mental de cada atividade.
No planejamento do treino, essas demandas devem ser pensadas e cada uma delas deve ter uma meta de desenvolvimento específico.
Pensemos na questão física: em uma sessão X, o objetivo é o desenvolvimento da resistência anaeróbia lática. Sabendo disso, devo criar atividades com uma relação estímulo pausa adequada.
No caso do desenvolvimento da resistência anaeróbia lática, as atividades devem propiciar ao atleta um ambiente com uma carga de estímulos alta para um tempo reduzido de pausas.
Contudo, essa relação estímulo/pausa deve respeitar a especificidade do jogo: não posso ter um estímulo (entenda “estímulo” como a ação do jogador dentro de um jogo, e não no tempo da atividade em si) de cinco minutos para 30 segundos de pausa, pois isso não respeita a especificidade do jogo e gera uma sobrecarga negativa para o jogador.
Após o planejamento, devo aplicar o treino e verificar se este foi realizado dentro do esperado e é neste ponto que queria chegar: controle do treino.
Uma das ferramentas que mais ganha espaço atualmente é o GPS, que nos traz dados sobre o deslocamento, desde a distância total até a velocidade dos sprints. Com seus dados, posso dar um passo importante para verificar se os objetivos físicos da sessão estão sendo atingidos ou não.
Em uma sessão com o objetivo do desenvolvimento da resistência anaeróbia lática, devo verificar se o atleta realizou atividades de alta intensidade em períodos determinados de tempo e como foi o padrão de deslocamento durante toda a sessão (número de sprints, distância e velocidade de cada um deles, etc.).
A frequência cardíaca também pode auxiliar no controle do treino, quando podemos cruzar as informações do GPS com o gráfico do comportamento da frequência cardíaca dos jogadores.
No pós-treino, podemos avaliar o grau de exigência física através da coleta da percepção subjetiva de esforço dos atletas, comumente chamada de PSE. Essa ferramenta nos mostra quanto o treino foi exigente para cada um dos jogadores através da sua própria percepção.
É preciso, contudo, deixar claro como a avaliação deve ser feita e como cada um deve definir a “nota” dada ao treino. Normalmente, a PSE vai de 1 a 10, em que os valores indicam o nível de esforço dentro da sessão como um todo.
Para uma avaliação mais precisa, podemos utilizar ainda a análise de marcadores bioquímico-fisiológicos dos atletas, como a verificação do lactato na corrente sanguínea, dos leucócitos, das plaquetas, dos níveis de CK, de LDH, de uréia, de glicose, cortisol, etc., mas esse tipo de análise ainda está distante de grande parte dos clubes...
Por isso as informações do GPS, frequência cardíaca e percepção subjetiva do esforço são valiosíssimas para o controle adequado dos treinos.
Com esses dados, posso provar que os treinos estão propiciando um estímulo “físico” adequado aos atletas. Isso é fundamental para dar tranquilidade ao trabalho e provar que os jogos também treinam o físico.
Até a próxima!

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O aquecimento específico ao treino de futebol


O papel do aquecimento é largamente abordado em inúmeros estudos científicos. Sua função geral é preparar o organismo para a prática esportiva.

Jürgen Weineck em seu livro clássico na preparação desportiva intitulado “ Treinamento Ideal” define com propriedade o papel do aquecimento nos treinos e jogos:

“Sob o termo aquecimento pode-se entender todas as medidas que servem como preparação para o esporte (seja para o treinamento ou competições). O aquecimento visa à obtenção do estado ideal psíquico e físico, a preparação cinética e coordenativa e a prevenção de lesões.”

Nessa definição poderíamos adicionar, no caso do futebol, que o aquecimento “...visa à obtenção do estado ideal técnico, tático, físico e psíquico...”, já que nessa modalidade esportiva os atletas são exigidos de forma integral desde o primeiro minuto da partida ou do treino.

Fisiologicamente o aquecimento, como o significado da própria palavra defini, tem por objetivo “aquecer” o organismo. Esse aquecimento é acompanhado; do aumento do metabolismo; melhor mobilização energética; aumento da irrigação tecidual; aumento da temperatura tecidual; aumento da atividade enzimática aeróbia e anaeróbia; aumento da resposta dos fusos musculares; aumento da lubrificação articular; redução do limiar de excitabilidade dos neurônios...

No aquecimento essas adaptações fisiológicas devem acontecer concomitantemente à adaptações cognitivas, onde os atletas serão preparados para os problemas específicos da sessão e do jogo propriamente dito.

O aquecimento não deve, então, se focar apenas em preparar os músculos, mas em preparar o SER para agir seja no treino ou dentro da partida.

Para que isso ocorra de forma adequada é preciso que o jogo já aconteça no aquecimento.
E lembre-se que as atividades em forma de jogo, devem obedecer um processo adequado e respeitar os conteúdos do modelo de jogo da equipe, no aquecimento isso deve ser da mesma forma.

Cada atividade desse primeiro momento do treino deve ser elaborada de forma conectada aos momentos seguintes do treino e deve obedecer os mesmo princípios.

Abaixo apresento um exemplo de “sessão de aquecimento” que obedece a temática hipotética de manutenção da posse de bola e mobilidade da parte central do treino.

Atividade 1

Descrição
- Atividade de 4 X 1, onde o objetivo dos 4 jogadores é manter a posse de bola pelo maior tempo possível.

Regras e Pontuação
- Jogador que está no meio da roda de jogadores sai desta posição quando recuperar a bola.
- Os 4 jogadores devem manter a posse das 2 bolas.



Atividade 2


Descrição
- Atividade de 3X 3, onde o objetivo das equipes é manter a posse de bola.

Regras e Pontuação
- Equipe que estiver com a posse de bola deve manter a mesma sempre em movimento e seus jogadores devem se deslocar constantemente pelo campo de jogo, se a bola ou algum jogador parar de se movimentar a equipe perde a posse da mesma.
- Equipe marca o ponto quando trocar 5 passes sem interrupção.


Atividade 3

Descrição
- Atividade de 3 X 3 + Coringa, onde o objetivo das equipes é manter a posse de bola utilizando o coringa.

Regras e Pontuação
- Equipe marca o ponto quando fizer um passe para o coringa e o mesmo devolver a bola para um jogador diferente (da mesma equipe) do que fez o passe para ele.



O tempo dessa sessão deve girar em torno de 15 a 45 minutos, dependendo das condições climáticas, estado de treinamento, período do dia, disposição psíquica e idade dos atletas, entre outros fatores.

O alongamento e outras atividades podem ser inseridas nesse momento do treino, mas todas de forma embasada e com seus devidos objetivos bem definidos.

Até a próxima!

Bruno Baquete
bruno@universidadedofutebol.com.br

Referências

WEINECK, J. Treinamento Ideal. Editora Manole: São Paulo, 9ª edição. 1999
WEINECK, J. Futebol Total: o treinamento físico no futebol. Editora Phorte: Londrina-PR. 1ª edição. 2000
KATCH, F. I. & MC ARDLE, W.D. Nutrição, Exercício e Saúde. MEDSI: Rio de Janeiro, 1996. 4ª edição. 1996

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Devo ou não treinar em função do adversário?

O jogo de futebol é composto por dois subsistemas chamados equipes, que se enfrentam em busca do melhor resultado possível dentro da partida, que nem sempre é o resultado.

Neste cenário podemos entrar no jogo “às cegas”, ou seja sem saber nada sobre o adversário (isso pode acontecer na base ou até mesmo no profissional), ou “às claras”, onde sabemos quem estamos enfrentando, em relação ao seu modelo de jogo com seus pontos fortes e fracos.

Tendo a possibilidade de conhecer a equipe adversária e fazer uma análise de seu jogo podemos preparar a equipe para os problemas contextuais ao adversário.

Contudo,

Isso significa:

Mudar minha forma de jogar em função do adversário onde me adéquo ao seu modelo de jogo.

OU

Potencializar minha forma de jogar, preparando meus jogadores para os problemas que podem aparecer no jogo em função do modelo do adversário.

Saber os pontos fortes e fracos não significa que minha equipe deva mudar sua forma de jogar em função do adversário!

Conhecendo a equipe que vou enfrentar devo preparar meus jogadores para os problemas que podem aparecer no jogo em função do modelo adversário.

Além de preparar minha equipe, posso manipular a equipe adversária para fazer aquilo que eu espero, contudo, para que isso ocorra, não posso pensar apenas no adversário e em suas características mas no jogo propriamente dito (Será que posso manipular o jogo?...)

A fim de preparar minha equipe para os problemas do jogo em função do adversário posso trazer informações para os jogadores e criar atividades CONTEXTUAIS para submeter os mesmos a uma realidade de treino similar ao jogo do final de semana, (ou meio de semana).

Ser similar ao jogo significa que os problemas emergentes no treino serão, primeiro, condicionados ao jogo e segundo, ao adversário que a equipe enfrentará.

As atividades contextuais, trazem para a sessão de treino um ambiente onde os jogadores irão ser submetidos aos problemas referentes ao modelo de jogo do adversário.

Essas atividades têm seu volume aumentado ao longo das categorias e no profissional atinge seu maior volume dentro da semana, porém não deve ser a única forma de treinamento.

Bom, vamos ao exemplo prático.

Se souber que a equipe que enfrentarei no final de semana tem um balanço ofensivo com 3 jogadores disposto em linha no meio de campo, com um contra ataque extremamente veloz e eficiente, posso criar uma atividade onde essa situação seja um problema do treino.

A atividade abaixo ilustra como isso pode ser feito:

Descrição
- Atividade de 11 X 11, sempre que a bola sair no campo defensivo da equipe amarela os coringas devem repor a bola em jogo rápido para os 3 atacantes da equipe.


Regras e Pontuação

- Gol vale 1 ponto e se for realizado de contra ataque pela equipe amarela vale 3.
Com essa atividade os jogadores serão estimulados durante a semana a resolverem esse problema e no jogo isso não será uma novidade.



Além disso, posso adotar estratégias para anular esse ponto especifico do adversário de forma organizacional, onde o adversário será direcionado a jogar de uma forma diferente que ele acostumado.

Perceba que o objetivo não deve ser mudar a forma de jogar da minha equipe em função do adversário, mas prepará-la para agir melhor no jogo.

Até a próxima!

domingo, 2 de outubro de 2011

A marcação por zona

“A organização defensiva é, acima de tudo, uma questão de defender com lucidez. Aquilo que se deve fundamentalmente procurar é fechar os espaços e assim condicionar os adversários.”
(Frade, 2002)

 
Nas últimas semanas, recebi vários e-mails sobre questões relacionadas à marcação por zona. Por isso, resolvi antecipar a discussão sobre essa temática.

Antes mesmo de iniciarmos a reflexão acerca da marcação zonal, precisamos discutir o conceito de marcação aplicado ao futebol e destacar que o mesmo é parte fractal da organização defensiva da equipe.

A marcação pode ser definida como “o ato ou resultado de marcar um espaço e/ou um adversário direto” (adaptado de Amieiro, 2005).

Partindo desta definição, podemos discutir quatro formas básicas de marcação em relação ao espaço e ao adversário:

Marcação zonal: age sobre o espaço.
Marcação individual: age sobre o jogador adversário.
Marcação individual por setor: cada jogador é responsável por um espaço e pelo jogador adversário que estiver dentro do mesmo.
Marcação mista: utiliza tanto a marcação zonal, como a individual, que se alternam em circunstâncias específicas do jogo.
Marcação híbrida: apresenta características da marcação zonal e individual, ao mesmo tempo, que se manifestam em decorrência da estratégia da equipe.

Cada um desses tipos de marcação tem inúmeras outras referências que a orientam, mas não vamos discuti-las neste momento. Nosso foca agora é a marcação por zona. Nesta, cada jogador administra um espaço do campo que se modifica em função da bola, de seus companheiros e dos gols.

O objetivo da marcação é otimizar a ocupação espacial da equipe, deixando o “campo pequeno” para o adversário que ataca. Na região onde a bola se encontra, a busca é pela criação da superioridade numérica, sem desguarnecer o lado oposto do campo que deve permanecer “vigiado” pelos jogadores mais próximos deste setor.

A região onde a bola se encontra é chamado por alguns autores de “lado forte”, enquanto a região oposta é chamada de “lado fraco”. Em cada uma dessas regiões há uma preocupação diferente por parte da equipe, e varia conforme o Modelo de Jogo de cada uma delas.

Para Nuno Amieiro, em seu livro “Defesa a Zona no Futebol”, ocupar os espaços do jogo de forma inteligente criando superioridade numérica na região da bola é um dos fatores fundamentais para “controlar” os adversários.

Além de criar superioridade numérica na região da bola e “vigiar” o lado oposto a ela, na marcação por zona se preconiza a presença de linhas escalonadas que sevem como coberturas e visam com isso “aumentar” o caminho entre a bola e o gol.

Vale destacar ainda que na marcação por zona a atenção do jogador não deve ser apenas na ocupação do seu espaço, mas no desenvolvimento de seu jogo como um todo, levando em conta as demais referências do
Modelo de Jogo.

Na marcação por zona, o que se busca é uma marcação coesa, dinâmica, homogênea com o intuito de fornecer uma referência coletiva comum aos jogadores dentro da organização defensiva da equipe.

Termino com uma frase de Ayrton Senna, grafada em seu capacete histórico, diante do qual passo todos os dias quando vou para o campo de treino:

"Há um grande desejo em mim de sempre melhorar. Melhorar é o que me faz feliz. E sempre que sinto que estou aprendendo menos, que a curva de aprendizado está nivelando, ou seja, o que for, então não fico muito contente. E isso se aplica não só profissionalmente, como piloto, mas como pessoa”.

Até a próxima!

Referência bibliográfica:
Amieiro, N. Defesa à Zona no Futebol: Um pretexto para refletir sobre o jogar... bem, ganhando! Edição do Autor. 2005

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

As bolas paradas!


O jogo de futebol pode ser entendido a partir de 4 momentos: ofensivo, defensivo, de transição ofensiva e de transição defensiva os quais se relacionam entre si de forma complexa.

Em decorrência da observação do comportamento distinto das equipes nas jogadas originárias de bolas paradas surgiram várias discussões sobre a necessidade de se adicionar um novo momento para o entendimento do jogo de futebol: O momento das bolas paradas.

Surgira assim o 5º momento do jogo!

Alguns autores foram além e afirmaram que o 5º momento correspondia às bolas paradas defensivas e o 6º momento as bolas paradas ofensivas, não é o objetivo entrar nessa discussão e vamos tratar as bolas paradas como um momento apenas.

Nesse 5º momento do jogo as equipes partem da organização, ou seja, os jogadores “conhecem” o posicionamento da sua equipe e do adversário (fato raro no jogo de futebol que se caracteriza por um jogo onde o caos é seu ambiente). A partir dessa organização os jogadores que tem a bola parada a seu favor tentam desorganizar o adversário para obter o êxito na jogada enquanto a equipe adversária exerce uma ação contrária.

Toda essa dinâmica tanto ofensiva como defensiva precisa ser norteada pelo modelo de jogo que deve contemplar ainda a transição após essas jogadas.

No modelo de jogo preciso definir a forma de marcação, a forma de ataque, a estruturação do espaço, a barreira (em tiro livre direto/indireto), o balanço ofensivo e defensivo (pensando na transição), quem e como a reposição será feita, etc.

A partir da definição dos conceitos devo construir as atividades.

As atividades seguem os mesmos pressupostos apresentados nas colunas anteriores, só que neste momento a ênfase é nas questões pertinentes às bolas paradas sem descontextualizá-las do jogo. Isso significa que as bolas paradas devem estar inerentes ao jogo e não ser treinadas separadas e sem ter uma ligação com os momentos subseqüentes à mesma.

Vamos ao exemplo prático.

O modelo de jogo da minha equipe pressupõe que a marcação a ser realizada na bola parada defensiva no escanteio é a marcação mista com um jogador marcando a zona da bola baixa (2), um marcando a zona da primeira trave (7), um marcando a zona central da área (4) e um jogador marcando a zona da entrada da área (10) e os demais marcando individual, conforme ilustração abaixo:


No balanço ofensivo minha equipe possui um jogador no meio de campo na lateral oposta lado do escanteio e um jogador centralizado, conforme ilustração abaixo:


Na transição ofensiva minha equipe deve estruturar rápido um 1-4-4-2 em losango e o jogador que recuperar a bola deve buscar um passe vertical e a equipe deve progredir e realizar um contra ataque ou um ataque rápido, conforme animação abaixo:


A fim de desenvolver os conteúdos descritos acima relacionados à bola parada defensiva no escanteio a atividade abaixo foi concebida.
 
Descrição
- Atividade de 11 X 11 no campo todo (“coletivo” adaptado).
- Toda a vez que a bola sair do campo a reposição é feita a partir de um escanteio.

Pontuação
Geral
- Gol durante o jogo vale 3 pontos (Sem ser a partir do escanteio)

Equipe que ataca no escanteio
- Finalização no gol ou pra fora vale 1 ponto.
- Gol vale 5 pontos

Equipe que defende no escanteio
- Se ultrapassar a linha tracejada com a bola dominada marca 1 ponto.
- Se fizer o gol no contra ataque vale 5 pontos

Regra do goleiro
- Se fizer a saída completa no escanteio sua equipe marca 1 ponto.


Treinemos as jogadas de bola parada que elas alteram sim o placar!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A competição no processo de treinamento: O jogo é treino?


Caros leitores, esse texto não vem para discutir o papel pedagógico (ou não...!) da competição ao longo do processo de treino da equipe. O professor Alcides Scaglia traz essa discussão na coluna “As escolas de esportes e a competição” disponível na Universidade do Futebol.

O que vou discutir com vocês hoje é o real papel da competição como um estímulo fundamental para o desenvolvimento de jovens atletas e de equipes profissionais.

Ao longo das últimas colunas afirmei que o treino deve ser jogo, mas e o jogo formal será que é treino?

Em minhas experiências ao longo dos anos em competições de base, notei que inúmeras equipes se baseiam em um jogo de bolas longas, para não chamar de chutões, onde os únicos jogadores que participam efetivamente do jogo são os zagueiros que “quebram” (não os jogadores adversários, mas a bola...coitada...) e os atacantes que disputam esse “lançamento” e tentam chegar ao gol adversário.

Observando esse fato descrito no parágrafo acima, imaginei por algum tempo como seriam os treinos para chegar nesse “modelo de jogo”.

Certo dia, tive a oportunidade de acompanhar um treino de uma equipe que jogava na “base do chutão”. O que notei foi que o treino não condizia com o jogo!

No treino os jogadores forma submetidos a 3 jogos. Em ambos o objetivo principal era a manutenção da posse de bola, fiquei curioso e perguntei se as atividades eram sempre daquela forma ou se aconteceram ocasionalmente. A resposta foi que todos os treinos obedeciam à mesma dinâmica e que a manutenção da posse de bola era um objetivo que perpassava o processo ao longo das categorias.

Perguntei sobre a discrepância entre o “modelo de jogo” do treino (Manutenção da posse de bola como princípio operacional de ataque predominante) e do observado nas competições (Chutão), a resposta foi que no jogo o objetivo era ganhar enquanto no treino o objetivo era formar.

No parágrafo acima reside um grande mito e um grande problema no processo de treino.

Uma orquestra ensaia a sinfonia que vai tocar no espetáculo e não as que não vai tocar, se for tocar a “Sinfonia Nº 9 de Beethoven” não vai ensaiar a “Sinfonia Nº 40 de Mozart”. Assim deve ocorrer no futebol, se treino a manutenção da posse de bola, espero que no jogo este seja o princípio que norteará minha equipe nos momentos de ataque.

Tanto o espetáculo para a orquestra, como a competição para a equipe são grandes treinamentos específicos onde as demandas física/técnica/tática/mental são exigidas ao máximo.

Em suma, a competição é o treino mais específico que se pode ter!

Além disso o jogo formal é um grande teste qualitativo para a equipe e traz inúmeras situações problemas que fará com que os jogadores estejam em uma constante busca pela organização em meio a um ambiente caótico. Nele podemos observar se os jogadores estão evoluindo e solucionando melhor os problemas específicos da modalidade.

O treino e o jogo devem caminhar juntos.

Nesse processo a vitória não pode ser excluída, pois ela faz parte da cultura do futebol . Contudo mudar a forma de jogar para ganhar pode significar que o modelo de jogo que vem sendo desenvolvido nos treinos está voltado para o adversário e não para o jogo propriamente dito. A equipe deve ser preparada para jogar o jogo, segundo Van Gaal a equipe precisa agir em ação e não em reação ao adversário modificando sua forma de jogar em função do mesmo. Acrescido a isso deve haver uma cultura de jogo do clube que não se modifica jogo a jogo.

O Barcelona é o maior exemplo de uma equipe que possui uma cultura de jogo, um modelo de jogo, joga em ação e vence suas partidas sem modificar esses aspectos. Joseph Guardiola logo após vencer um dos clássicos contra o Real Madrid afirmou que não foi a vitória de uma equipe mas de uma filosofia de jogo que não se altera independente do adversário.

Acredito que é essa filosofia aliado ao fato de que devo jogar o jogo e não contra o adversário é que deve unir os treino e jogos! O treino é jogo e o jogo é o treino mais específico que se pode ter se for bem orientado. Ganhar com um modelo que não condiz com seus treinamentos pode ocorrer ocasionalmente, mas treinar como se pretende jogar levando a vitória em consideração é fundamental para a manutenção do rendimento dos atletas e da equipe.

Principalmente na base onde a formação deve ser tanto no treino como no jogo! Ganhar no chutão na base não se justifica e prejudica o sonho de muitos pequenos atletas, então cuidado!

Para finalizar cito nossa seleção que jogou contra a Alemanha nesta semana. Durante todo o jogo a equipe alemã teve uma maior posse de bola, criou as melhores chances e apresentou um futebol mais vistoso (até algum tempo eles eram os ditos “tático”, “duros”, que só jogavam na “força” e no “lançamento”), enquanto a seleção brasileira esperou a equipe adversária e jogou no contra ataque. A partir do jogo tive as seguintes dúvidas que compartilho com vocês:

Será que nossa forma de jogar foi modificada para enfrentar a Alemanha? Será que essa mudança faz parte do processo? Será que temos uma cultura de jogo? Será que os treinos foram de uma forma e o jogo foi de outra?...

Inúmeras perguntas surgiram mas não cheguei a nenhuma afirmação concreta, pois não acompanho o dia-a-dia de treino de nossa seleção. Se alguém tiver essas respostas me avise.

Até a próxima!

Bruno Baquete

domingo, 14 de agosto de 2011

O treinamento de goleiro: para todos da comissão técnica!


Treinar o goleiro significa prepará-lo para resolver os problemas do jogo tanto na ação de proteção da meta como na participação da organização coletiva da equipe.

O goleiro é um jogador com ações distintas dos demais atletas no futebol. Ele é o único que pode tocar a bola com as mãos e que tem a difícil missão de proteger a meta das investidas do adversário.

Contudo sua ação se resume a proteção à meta?

Com o objetivo de responder a pergunta à cima fiz um estudo sobre a ação do goleiro dentro do jogo. Neste estudo analisei todos os jogos de 2 jogadores desta posição no Campeonato Brasileiro de Futebol de 2009.

O fato foi que me surpreendi um pouco com os resultados. Vou apresentar de forma resumida alguns dados encontrados.

Os dados gerais me mostraram que o goleiro A agiu em média 37 vezes durante o jogo, (contando apenas ações com bola) já o goleiro B agiu 28 vezes, 9 ações a menos. As equipes tiveram um desempenho parecido ao longo do campeonato e não houve diferença significativa nas finalizações sofridas em ambos, então comecei a refletir sobre os motivos que levavam essa diferença numérica de ações entre o jogadores.

Para análise dividi as ações em “Habilidades Específicas”(ações de proteção a meta), “Reposições” e “Passes”.

Ambos os goleiros tiveram a reposição como a ação de maior incidência dentro do jogo, seguido dos passes e por último, acreditem, ficaram as habilidades específicas.

Resolvi ir a fundo em cada uma das ações.

Nas habilidades específicas cada um agiu em média 7 vezes durante as partidas e a saída é a ação de maior incidência nesse aspecto.

Nas reposições os dados me mostraram que o goleiro A tinha um aproveitamento de 65,9% e o goleiro B 43,3%.

Nos passes essa discrepância era maior ainda 73,5% contra 46,8%. O goleiro B recolocava a bola em jogo e fazia o passe mais para a equipe adversária do que para sua própria equipe.

Em meio a esses dados observei que o goleiro A além de ter um aproveitamento maior nos passes participava mais neste quesito. Enquanto o goleiro B realizava 6 passes em média por jogo o goleiro A realizava 15. Sendo assim a diferença “estatística” entre os goleiros estava na participação com os pés dentro do jogo.

Com esses dados podemos levar a discussão para inúmeros caminhos, contudo quero discutir a especificidade do treinamento e a participação deste atleta no modelo de jogo da equipe.

Para o treino ser específico ele precisa se apropriar da realidade encontrada no jogo. No jogo observei que esses atletas específicos agem relativamente pouco em ações de proteção a meta, logo o treino deve levar em consideração esse fato. Se não corro o risco de preparar o goleiro apenas para essas “7 ações” de proteção a meta dentro do jogo.

A realidade desta posição não se resume a essas ações, contudo as ações de proteção a meta são emergências, aleatórias e requerem uma resposta adequada para que o adversário não marque o gol. Para dar as melhores respostas este jogador precisa ser treinado de forma ADEQUADA e não de forma EXAUSTIVA, pois isso não representa a especificidade do jogo.

Um goleiro no jogo dificilmente fará 4 defesas no mesmo lance, ele terá que defender bem apenas 1 bola durante um longo intervalo de tempo, às vezes durante todo o jogo. Para defender essa única bola ele precisa analisar, tomar a melhor decisão e agir da melhor maneira possível.

Durante o restante do tempo de uma partida o goleiro precisa estar inserido na organização coletiva da equipe!

Essa inserção não é nada fácil e os treinos precisam ser elaborados para tal.

Visto que o goleiro B parece não estar integrado no modelo de jogo da equipe e não possui uma boa relação com bola com os pés. Essa não integração não atinge apenas o goleiro mas toda a equipe, pois se esse jogador recoloca a bola em jogo ou faz um passe mais de 50% das vezes de forma errada toda a equipe precisa se organizar rápido para recuperar a bola ou para impedir que o adversário chegue até o gol.

Já o goleiro A é um exemplo de goleiro integrado no modelo da equipe e vem se destacando por isso há algum tempo. Ele é um jogador como outro qualquer antes mesmo de ser goleiro. Em muitos jogos ele participou da manutenção da posse de bola, fez coberturas, cortou lançamentos, etc. Várias de suas ações realizadas com os pés evitaram que a equipe adversária chegasse a sua meta.

Será então que quanto mais integrado o goleiro menos ele agirá nas ações de defesa à meta?

Claro que a resposta não é nada simples e cada comissão deve pensar em seu modelo de jogo e em como o goleiro deve participar do mesmo.

O fato é que a integração é complexa e as atividades devem ser elaboradas a fim de atingir os objetivos relacionados às “habilidades específicas”, “reposições” e “passe” do goleiro.

A atividade abaixo ilustra como uma atividade pode ajudar na integração do goleiro na organização coletiva da equipe e desenvolver sua habilidade com os pés.
Lembre-se que essa atividade é utilizada para fins didáticos e não pode ser entendida e aplicada de forma isolada mas sempre contextualizada ao modelo de jogo da equipe e ao processo de treino.

Descrição
- Atividade é composta por 2 equipes de 4 jogadores mais 1 goleiro.

Pontuação
- Equipe marca 3 pontos se fizer o gol.
- Equipe marca 1 ponto se trocar 5 passes utilizando o goleiro.
- Equipe marca 5 pontos se trocar 5 passes utilizando o goleiro e fizer o gol.


Lembre-se nada é receita de bola, ou bolo...

Até a próxima!