terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A análise de desempenho no futebol – parte I: dados gerais


Nos últimos anos, a análise de desempenho vem ganhando cada vez mais espaços no âmbito esportivo.
Em algumas modalidades, o papel da análise se configura com um dos pontos centrais da performance, como no futebol americano, beisebol, basquete, vôlei, futsal, atletismo, e assim por diante.
Assistindo a algumas partidas de vôlei da Superliga Nacional, notei que muitos treinadores ficam com seus tablets ao lado da quadra (alguns deixam com seus auxiliares) recebendo informações instantâneas sobre onde estão sendo os saques do adversário, onde os pontos estão acontecendo, onde a bola está passando pelo bloqueio, etc.
Será que tudo isso é importante? Será que ganha jogo?
No futebol, a análise de desempenho vem a algum tempo ganhando espaço, principalmente após a contratação do analista Rafael Vieira pela CBF. Quando o mesmo foi apresentado como membro da comissão de Mano Menezes, muitos se perguntaram o que esse profissional faria.
Mas o que ele faz?
Bom, neste ano iniciei um projeto piloto na base do clube e gostaria de compartilhar algumas reflexões e mesmo dúvidas sobre essa função.
No meu primeiro dia como analista de desempenho levantei as funções que pensei ser relevantes se tratando de formação e de resultado.
A lista é extensa.
De uma maneira geral, as funções giram em torno da análise individual dos atletas em treinos, jogos e fora do campo; análise coletiva da equipe em jogos e treinos; análise do adversário individual e coletivamente.
Dentro dessas funções, temos subdivisões que vão desde a análise comportamental do atleta até a análise das suas ações no jogo com controles subjetivos, quantitativos e qualitativos de seu desempenho.
Desempenho que precisa ser entendido com algo complexo, onde as variáveis são fractais do desempenho.
Por exemplo, em um controle hipotético de deslocamento do atleta, vejo que ele percorreu 6,320 km em um período de 80 minutos. Pelos parâmetros utilizados observo que é uma distância relativa baixa; contudo, com a análise do jogo, posso identificar que minha equipe recuperava a bola muito rapidamente e economizava energia para chegar ao gol adversário. Além disso, esse atleta ocupa muito bem o espaço e é ponto fundamental para a progressão da equipe com bola. Analiso também que mesmo tendo um volume total de deslocamento não tão alto. Suas ações de alta intensidade estão na média do grupo, ou seja, um dado apenas pode visto fragmentado do todo: complexidade.
O desempenho de um atleta de futebol não se resume as ações “táticas” ou ao posicionamento em campo. Ele é muito mais do que isso.
Analisar o desempenho do atleta é compará-lo com ele mesmo em toda a sua essência e verificar como cada variável está interagindo com as demais.
Depois de tudo isso é preciso ainda gerar as informações e os relatórios para os diversos departamentos do clube. Cada um deles precisa de um tipo de informação baseado nos próprios dados que eles fornecem para o analista que tem o papel integrador da informação. Ele deve agir como um ser transdiciplinar dentro do clube.
Mas e as informações para o treinador?
O que é importante para ele ganhar os jogos?
Muitas informações!
Mas não todas!
Como diria Renato Russo:
“Já não me preocupo se eu não sei por que.
Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vêE eu sei que você sabe, quase sem quererQue eu vejo o mesmo que você.”

Isso é a análise de desempenho.
Até a próxima!


* Como atualmente estou imerso na preparação da equipe para a Taça São Paulo de futebol, em breve compartilho algumas reflexões sobre as análises de desempenho aplicadas.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Os tipos de jogos: o técnico, o conceitual, o específico e o contextual


No texto de hoje vamos discutir quatro tipos básicos de jogos para o desenvolvimento do jogar dos atletas: os técnicos, os conceituais, os específicos e os contextuais. Existem outras classificações de jogos, como os jogos gerais, os jogos pré-desportivos, jogos lúdicos, jogos populares, jogos cooperativos, que de certa forma contribuem para o desenvolvimento dos atletas, mas não serão foco de nossa discussão.
Dentro das quatro classes de jogos que iremos discutir, cada um tem seu objetivo específico e organização própria.
Comecemos pelos jogos técnicos.
Os jogos técnicos, como o próprio nome já apresenta, tem como objetivo o desenvolvimento técnico dos jogadores em ambiente de jogo. Nessa classe, os jogos geralmente são estruturados quanto a suas dimensões, número de jogadores, equipes, tempo, local do campo, em função do fundamento em questão.
Por exemplo, se quero desenvolver a finalização de curta distância, posso criar um jogo de 2x2 dentro da área. Já se quero desenvolver o passe, posso criar um jogo de 6x6 em meio campo, no qual a equipe marca ponto se trocar 10 passes.
Além disso, é preciso pensar sobre como gerar sobrecarga no processo de seleção da informação, tomada de decisão e ação do jogador, pois para gerar um ambiente de aprendizagem é preciso trazer um problema condizente com a zona de desenvolvimento proximal do atleta.
Nos jogos conceituais, o que se preconiza é o desenvolvimento de conceitos de jogo que se aplicam em diferentes situações. Nesses jogos, os atletas são submetidos a estímulos que visam desenvolver o entendimento individual e coletivo de alguns conteúdos gerais e específicos do jogo.
Por exemplo, imaginemos uma situação hipotética em que preciso modificar o tipo de marcação de minha equipe, da marcação mista para a zona. Para que esse processo seja realizado de forma adequada, os jogadores precisam entender o conceito de marcação por zona em jogos conceituais, no qual o espaço geralmente é menor e as situações problemas ficam mais evidentes.
Sendo assim, ele tomará consciência das premissas, dos conceitos e implicações desse novo conteúdo em questão e a transição do tipo de marcação acontecerá de forma adequada.
Nos jogos conceituais, os campos, o número de jogadores e suas dinâmicas são variadas e se adequam, agora, aos conceitos que precisam ser desenvolvidos.
Os jogos específicos: nesse tipo, os conceitos são abordados em ambiente específicos. Isso significa que os conceitos desenvolvidos nas atividades conceituais são transportados para situações mais próximas às realidades específicas do jogo formal.
Por exemplo, após o desenvolvimento do conceito da marcação por zona, em que o jogador entenderá que sua movimentação precisa ser realizada em função da posição da bola, dos espaços e de seus companheiros, ele será submetido a situações específicas no campo de jogo. Nele, o tipo de marcação se somará ao esquema tático, as regras de ação e ocupação de espaço da equipe.
Nessas atividades, as regras do jogo em si são respeitadas, enquanto que nas atividades conceituais pode haver gols próximos um dos outros ou campos com dimensões bem reduzidas, fato que não ocorre nesse tipo de jogo. O campo pode ser reduzido, mas não descaracterizado, ou seja, não pode haver um gol dentro do círculo central do campo, por exemplo.
Nos jogos contextuais, o objetivo é preparar a equipe para o jogo do fim de semana. Nesse tipo de jogo, as características do adversário são levados em conta e as atividades são construídas a fim de que minha equipe se prepare para resolver os problemas impostos pelo adversário e/ou manipulá-los contra o mesmo.
Esses jogos acontecem geralmente em ambiente específico e são amplamente utilizados em equipes profissionais.
Cada jogo possui suas características particulares que se integram dentro de um processo de formação de equipes. Cada um tem sua importância e funcionalidade ao longo do planejamento, mas é preciso cuidado para organizá-los ao longo dos anos, meses, semanas e dias...
Não basta saber criar um jogo, mas é preciso saber quando, onde, para quê, por que...
Até a próxima.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Preleção: treino a treino ou apenas no dia do jogo?

A preleção é algo que está contido no futebol e faz parte do dia de jogo de quase todas as equipes.
Mas o que é a preleção? Para que ela serve? Só a utilizo no dia da partida?
Segundo o dicionário Michaelis, a palavra preleção significa: “Ato de prelecionar; Lição; Discurso ou conferência didática.”
Vamos analisar mais a fundo o significado “conferência didática”.
Segundo o mesmo dicionário, as palavras “conferência” e “didática” significam:
“Conferência - Reunião de pessoas para discutirem um assunto importante.”; “Didática - Arte de ensinar.”
Visto isso, podemos definir que a preleção é uma reunião orientada por uma ou mais pessoas que utilizam-se de recursos pautados na arte de ensinar.
O que isso quer dizer praticamente?
Significa que a preleção é um ambiente de aprendizado e não apenas um momento em que o treinador ou a comissão apresenta as suas respostas para os problemas do jogo.
Não quero dizer aqui que o treinador deve sentar no banco e os jogadores assumirem a discussão, mas sim que o treinador deve orientar o processo e levar os jogadores a refletirem sobre os problemas do jogo em si.
Para levar a discussão à prática, peço licença para reproduzir um trecho do livro “André Villas-Boas: Special Too”, em que o então goleiro da equipe do FC Porto, o brasileiro Hélton, se refere à preleção (chamada de palestra por ele no trecho) do treinador português antes do jogo final entre Porto e Braga na final da Liga Europa:
“(...) a palestra mexeu muito conosco... foi maravilhosa. Espetacular. Fez pensar, refletir. Quando é mais do mesmo, por exemplo, “vamos lá jogar para ganhar”, não tem grande efeito nos jogadores, porque estamos sempre a ouvir isso. Ali foi diferente, ele acrescenta sempre uma novidade, isso é espetacular.”
Veja o quanto de informação importante sobre a forma com que os jogadores veem a palestra temos nesse trecho.
Estamos no caminho certo? Será que nossos jogadores estão satisfeitos com nossas palestras?
Nesse momento específico devemos trazer coisas novas e não fazer mais do mesmo. Para isso podemos utilizar diversos recursos e abordar temas pertinentes ao momento do processo e não ficarmos “patinando” nos mesmos tópicos sempre.
Além disso, não precisamos nos focar apenas no próximo adversário!
Existem muitas coisas que podem e devem ser abordadas nessa conferência didática. Por isso a preleção deve ser vista para muito além de uma simples conversa de vestiário e ser entendida como um processo que se inicia juntamente com o processo de treino. Sendo assim, a preleção deve ser diária e no momento da partida, e o treinador não precisa e não deve tentar mudar o mundo, pois ao longo da semana tudo foi preparado para a equipe ter uma performance adequada àquele momento.
A fim de auxiliar na discussão, utilizo novamente um trecho do livro referido acima. Neste momento, o autor destaca a forma com que o treinador português André Villas-Boas conduz o processo de preleções da equipe.
“Muita gente tem a ideia de que a palestra que se faz antes dos jogos é uma peça fundamental do trabalho de preparação para um jogo. Até pode ser, por circunstâncias diversas, mas a verdade é que para os treinadores modernos vale muito mais o que se vai dizendo aos jogadores ao longo da semana.(...)
(...)Era exatamente isso que André Villas-Boas fazia no FC Porto. Começava a preparar os jogos em pequenas conversas que tinha com os jogadores, abordando pormenores sobre o posicionamento da equipe e dos próprios jogadores, falando dos adversários e da sua motivação, dos ambientes, etc.(...)
(...)A preparação feita nos dias que antecediam um jogo permitiam chegar ao dia do encontro e não ser necessário dizer grandes coisas nas tais palestras.”
Vejam que a preleção faz parte do processo!
Não há segredos.
Ao longo dos dias, das semanas, tudo deve progredir na sua complexidade e os conceitos devem se somar ao longo do tempo.
Nada é isolado e muito menos deve ocorrer a esmo, pois a performance não ocorre por acaso! Ela é fruto do trabalho diário!
Até a próxima!

Bibliografia
Perreira L.M., Pinho J. André Villas-Boas: Special too. Prime Books. Portugal, 2011

sábado, 21 de janeiro de 2012

Que venha a pré-temporada: treino físico x treino tático!

Depois das peladas de final de ano, das festas e das merecidas férias, chega o momento da volta e com ela a temida pré-temporada.

Nesse momento o objetivo geral é colocar os jogadores em forma e prepará-los para o período competitivo, certo?

Sabemos que não é bem assim em grande parte de nossas equipes, inclusive em equipes de base...

No futebol temos um “micro período” de preparação antes do período competitivo, que se estende por quase todo o ano. Sendo assim o que podemos fazer nesse curto espaço de tempo antes das competições?

Como vocês bem sabem, o objetivo da coluna não é trazer conteúdos prontos nem receitas de bolo, então para começar bem o ano vamos refletir sobre as afirmações do atual treinador do Real Madrid, José Mourinho, sobre o período preparatório no livro “Mourinho: Porquê tantas vitórias?”:

“As semanas preparatórias incidem, de forma sistemática, na organização táctica, sempre com o objetivo de estruturar e elevar o desempenho colectivo. As preocupações técnicas, físicas e psicológicas (como a concentração, por exemplo) surgem por arrastamento e como conseqüência da especificidade do nosso modelo de operacionalização”

Esse trecho reflete o pensamento da periodização tática, onde a tática (como o nome já sugere) é o norte para a estruturação do processo de treino, sendo assim as demais componentes do jogo se desenvolvem, paralelamente e subjugadas à tática, mas será que não teremos problemas com isso?

Será que colocar a tática acima das demais vertentes do jogo não é o mesmo que colocar a técnica sobre as demais?

...

Voltemos para a pré-temporada.

Através das palavras de José Mourinho, podemos observar que desde o início da temporada o objetivo é o desenvolvimento do modelo de jogo da equipe. Aparentemente não há uma preocupação prioritária com o desenvolvimento das capacidades bio-motoras dos atletas.

Devo então idealizar meu modelo e desenvolvê-lo desde o primeiro dia de trabalho correto?

Mas isso é viável hoje no futebol brasileiro?

Tudo o que é feito na preparação física de nossos atletas deve ser deixado de lado?

Penso, que a preparação física é importante para se jogar futebol assim como a pré-temporada, CONTUDO A MESMA DEVE SER SUBJULGADA NÃO A TÁTICA MAS AO JOGO.

Desse modo a preparação física deverá ser desenvolvida de maneira especificamente-fractal e a preparação agirá diretamente na performance de jogo dos atletas.

A pré-temporada deve ser vista como um momento de preparação geral de jogo onde todas as componentes devem ser desenvolvidas relativamente de maneira ótima.

Mas e a periodização tática?

Colocar a tática sobre as demais componentes do jogo é como subjulgar as demais componentes do jogo à técnica ou ao físico.

 As partes fractais do jogo devem se desenvolver tendo o jogo como norte e não uma ou outra parte fractal, mas deixemos essa discussão para um outro momento...

Por hora agradeço ao Rodrigo Azevedo Leitão pela Periodização Complexa de Jogo...

Nossa pré-temporada de colunas já começou com muitas perguntas, mas as respostas virão com o tempo!

Um excelente ano para todos nós!

Até a próxima!