O passe não se resume a ação motora apenas, mas na resolução do problema imposto pelo jogo através da transmissão da posse de bola para um companheiro de equipe.
O passe é caracterizado pela transmissão da bola entre dois jogadores da mesma equipe. Para a realização do passe o jogador pode utilizar qualquer parte do corpo exceto braço, antebraço e mão. Isso tudo é óbvio mas como treinar esse fundamento que é o de maior incidência no jogo de futebol?
Para iniciarmos essa discussão vamos a alguns fatos...
Na Copa do Mundo de 2010 o jogador espanhol Xavi foi quem mais realizou passes durante toda a competição, contabilizando 669 ações neste fundamento. Esse jogador participou de todas as 7 partidas da Espanha jogando 636 minutos, ou seja, realizou pouco mais de 1 passe por minuto e teve um aproveitamento de 81%.
Podemos dizer que esse jogador atingiu a maestria no ato de passar a bola. Essa maestria ocorreu devido a diversos estímulos provenientes do treinamento e dos jogos ao longo dos anos.
Contudo, o gesto motor é que define a maestria desse jogador? Se o movimento for “perfeito” os passes chegarão com precisão ao seu destino?
Vamos lá,
De todos esses passes realizados nenhum aconteceu em um ambiente idêntico, onde os jogadores estavam posicionados da mesma forma, a bola percorreu a mesma distância,
na mesma região do campo, etc, etc, etc...
Todos os passes foram realizados em um ambiente complexo e aleatório, onde duas equipes se confrontam em busca do melhor resultado para si. O ato de passar se releva maior que o gesto motor. Passar é apenas a manifestação da ação que começa na análise da situação, passa pela tomada de decisão e chega até o gesto motor propriamente dito, que também não é apenas o gesto mas carrega uma série de construtos sociais, culturais, atitudinais, etc. do atleta.
Se UMA solução APENAS for treinada e mecanizada a fim de resolver todos os problemas envolvendo a transmissão da posse de bola, provavelmente o que teremos será um jogador incapaz de apresentar as melhores soluções dentro do jogo, pois estamos negando a complexidade do ato de passar e nos focando apenas no gesto estereotipado em si.
Sendo assim, como treinar o passe?!
O passe deve ser treinado em um ambiente imprevisível e aleatório onde o jogador será estimulado a resolver os problemas impostos pelo jogo a partir da transmissão da posse para um de seus companheiros de equipe.
Neste ambiente a análise da situação, a tomada de decisão e a ação estarão se desenvolvendo de forma integral tendo o jogo como norte.
Contudo, preciso alertá-los que o passe está inserido dentro das “competências essenciais” do jogo de futebol, mais precisamente dentro da “relação com a bola”. Vale destacar que as competências essências são habilidades fundamentais para o jogo. Além da “relação com a bola”, a “estruturação do espaço” e a “comunicação na ação” fazem parte dessas competências. Vale destacar ainda que essas competências devem ser o foco de desenvolvimento nas categorias menores dentro da base dos clubes.
Desenvolver o passe significa desenvolver a relação entre o jogador e a bola em todo o processo de transmissão da posse de bola, pois como foi descrito acima o passe pode ser feito com diversas partes do corpo e quanto mais recurso o jogador tiver na “relação com a bola” maior será sua habilidade e sua capacidade de resolução de problemas quando este está em contato com o objeto de disputa do jogo.
Para tentar clarificar “praticamente” essa discussão descrevo abaixo um exemplo de atividade que se bem orientada e inserida dentro de um processo de treino adequado pode contribuir para o desenvolvimento da relação com a bola no que diz respeito ao passe contextualizado ao jogo de futebol.
Descrição
Matriz
- Atividade é composta por 2 equipes de 5 jogadores mais 2 coringas que jogarão para a equipe que estiver com a posse de bola.
- O objetivo da equipe que está com a posse de bola é trocar 10 passes entre seus jogadores.
Variações
- 1º momento: passes serão livres.
- 2º momento: passes com a perna não dominante.
- 3º momento: o passe tem que ser de primeira se for realizado com a perna dominante e os toques são livres se o passe for realizado com a perna não dominante.
- 4º momento: a cada 2 passes um deve ser de primeira.
- 5º momento: a cada 2 passes um deve ser realizado para o quadrante oposto ao da bola.
Veja que as regras potencializam o passe como foi dito, mas cada uma das variações age de maneira diferente em todo o processo de análise da situação, tomada de decisão e ação motora.
No 1º momento o foco é no passe e não há limites de toques na bola. Nos 2º e 3º momento o foco passa a ser na utilização da perna não dominante. Já no 4º e 5º momento o foco é na análise da situação e na tomada de decisão. Com isso há sempre um novo conflito sendo gerado e a evolução da relação com a bola é constante.
Por hoje cesso meus conflitos para por aqui!
Até a próxima.
Bruno Baquete
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