quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A análise de desempenho no futebol – parte II: informações de jogo

Na parte I da trilogia da análise de desempenho, vimos algumas das funções do analista e a interação entre vários tipos de dados.
Na segunda parte da série, gostaria de discutir com vocês a respeito das informações de jogo.
No jogo, por ele ser imprevisível, caótico, complexo, etc., muitos dados podem ser coletados e se transformar em informações para os jogadores, técnicos, preparadores físicos, árbitros, público e assim por diante.
É possível, por exemplo, coletarmos os dados de scout e apresentar para a comissão técnica um relatório com informações técnicas da equipe, como passe.
Vamos utilizar o exemplo do passe e ver como o mesmo pode nos trazer algumas informações do jogo.
Em um relatório X, vejo que a equipe A teve um aproveitamento de passe de 85%.
O que isso me mostra?
Quase nada!
Apenas com essas informações tenho poucos recursos para avaliar o jogo e fazer algum tipo de intervenção na prática, justamente por mostrar apenas uma parte descontextualizada do jogo (!).
Vamos tentar transformar esse dado em uma informação um pouco mais valiosa, se é que podemos dizer isso.
Então, tenho um dado que mostra que a equipe A tem 85% de aproveitamento de passes, contudo vejo que 70% dos mesmos são para trás ou para o lado e mais da metade deles (dos 70%) ocorrem no campo de defesa.
O que esse dado começa a me mostrar?
Que a equipe A tem um bom aproveitamento de passes, mas os mesmos ocorrem para trás e para o lado e no setor defensivo.
Continuo tentando dar sentido aos dados...
Olhando para o jogo vejo que o adversário, equipe B, tem como princípio de defesa impedir progressão atrás da linha 3 (meio-campo) e na transição defensiva os jogadores mais próximos à bola retardam a jogada, enquanto os demais voltar para trás da linha do meio-campo.
A equipe A, por sua vez, na transição ofensiva buscar tirar a bola da zona de pressão e logo inicia um jogo de manutenção da posse em seu campo defensivo e só progride em momentos em que cria superioridade numérica nos setores laterais do campo.
Olhando ainda para os dados vejo que nas regiões laterais do campo próximas à intermediária ofensiva há dois dados distintos em relação ao aproveitamento de passes. Enquanto no lado direito o aproveitamento passa dos 65% em passes para frente, do lado esquerdo esse valor não chega aos 30%.
Indo mais a fundo, vejo que do lado direto há um adversário na linha do meio que não está integrado ao processo e não estrutura bem o espaço em sua região. Por esse fato, a linha defensiva se posiciona a fim de compensar essa falha do jogador.
Por sua vez, essa compensação leva a uma perda do equilíbrio horizontal e os dados mostram que os lançamentos do lado direito para o lado esquerdo da defesa no campo ofensivo tiveram um aproveitamento de 50%.
Quando a equipe virava o jogo corretamente (da direita para a esquerda) e o jogador que recebia a bola buscava a progressão (45% das vezes), a equipe conseguiu criar três jogadas que acabaram em finalizações; em uma delas inclusive o gol aconteceu...
Vejam: de um dado de aproveitamento de passes conseguimos chegar ao gol!
O grande segredo é transformar os dados em informações valiosas.
O analista de desempenho precisa mostrar o jogo e dar informações reais, pontuais e que ajudarão a equipe a ganhar jogos ou a formar atletas melhores!
Dar apenas um pedaço do todo não é o suficiente!
Por isso volto a afirmar que isso é só o começo...
Espero que continuemos com bons mestres para que a cada dia aprendermos mais sobre a essência do jogo e para além disso!
A informação se encaixa?
Até a próxima!
Para saber mais sobre o tema acesse -

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A análise de desempenho no futebol – parte I: dados gerais


Nos últimos anos, a análise de desempenho vem ganhando cada vez mais espaços no âmbito esportivo.
Em algumas modalidades, o papel da análise se configura com um dos pontos centrais da performance, como no futebol americano, beisebol, basquete, vôlei, futsal, atletismo, e assim por diante.
Assistindo a algumas partidas de vôlei da Superliga Nacional, notei que muitos treinadores ficam com seus tablets ao lado da quadra (alguns deixam com seus auxiliares) recebendo informações instantâneas sobre onde estão sendo os saques do adversário, onde os pontos estão acontecendo, onde a bola está passando pelo bloqueio, etc.
Será que tudo isso é importante? Será que ganha jogo?
No futebol, a análise de desempenho vem a algum tempo ganhando espaço, principalmente após a contratação do analista Rafael Vieira pela CBF. Quando o mesmo foi apresentado como membro da comissão de Mano Menezes, muitos se perguntaram o que esse profissional faria.
Mas o que ele faz?
Bom, neste ano iniciei um projeto piloto na base do clube e gostaria de compartilhar algumas reflexões e mesmo dúvidas sobre essa função.
No meu primeiro dia como analista de desempenho levantei as funções que pensei ser relevantes se tratando de formação e de resultado.
A lista é extensa.
De uma maneira geral, as funções giram em torno da análise individual dos atletas em treinos, jogos e fora do campo; análise coletiva da equipe em jogos e treinos; análise do adversário individual e coletivamente.
Dentro dessas funções, temos subdivisões que vão desde a análise comportamental do atleta até a análise das suas ações no jogo com controles subjetivos, quantitativos e qualitativos de seu desempenho.
Desempenho que precisa ser entendido com algo complexo, onde as variáveis são fractais do desempenho.
Por exemplo, em um controle hipotético de deslocamento do atleta, vejo que ele percorreu 6,320 km em um período de 80 minutos. Pelos parâmetros utilizados observo que é uma distância relativa baixa; contudo, com a análise do jogo, posso identificar que minha equipe recuperava a bola muito rapidamente e economizava energia para chegar ao gol adversário. Além disso, esse atleta ocupa muito bem o espaço e é ponto fundamental para a progressão da equipe com bola. Analiso também que mesmo tendo um volume total de deslocamento não tão alto. Suas ações de alta intensidade estão na média do grupo, ou seja, um dado apenas pode visto fragmentado do todo: complexidade.
O desempenho de um atleta de futebol não se resume as ações “táticas” ou ao posicionamento em campo. Ele é muito mais do que isso.
Analisar o desempenho do atleta é compará-lo com ele mesmo em toda a sua essência e verificar como cada variável está interagindo com as demais.
Depois de tudo isso é preciso ainda gerar as informações e os relatórios para os diversos departamentos do clube. Cada um deles precisa de um tipo de informação baseado nos próprios dados que eles fornecem para o analista que tem o papel integrador da informação. Ele deve agir como um ser transdiciplinar dentro do clube.
Mas e as informações para o treinador?
O que é importante para ele ganhar os jogos?
Muitas informações!
Mas não todas!
Como diria Renato Russo:
“Já não me preocupo se eu não sei por que.
Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vêE eu sei que você sabe, quase sem quererQue eu vejo o mesmo que você.”

Isso é a análise de desempenho.
Até a próxima!


* Como atualmente estou imerso na preparação da equipe para a Taça São Paulo de futebol, em breve compartilho algumas reflexões sobre as análises de desempenho aplicadas.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Os tipos de jogos: o técnico, o conceitual, o específico e o contextual


No texto de hoje vamos discutir quatro tipos básicos de jogos para o desenvolvimento do jogar dos atletas: os técnicos, os conceituais, os específicos e os contextuais. Existem outras classificações de jogos, como os jogos gerais, os jogos pré-desportivos, jogos lúdicos, jogos populares, jogos cooperativos, que de certa forma contribuem para o desenvolvimento dos atletas, mas não serão foco de nossa discussão.
Dentro das quatro classes de jogos que iremos discutir, cada um tem seu objetivo específico e organização própria.
Comecemos pelos jogos técnicos.
Os jogos técnicos, como o próprio nome já apresenta, tem como objetivo o desenvolvimento técnico dos jogadores em ambiente de jogo. Nessa classe, os jogos geralmente são estruturados quanto a suas dimensões, número de jogadores, equipes, tempo, local do campo, em função do fundamento em questão.
Por exemplo, se quero desenvolver a finalização de curta distância, posso criar um jogo de 2x2 dentro da área. Já se quero desenvolver o passe, posso criar um jogo de 6x6 em meio campo, no qual a equipe marca ponto se trocar 10 passes.
Além disso, é preciso pensar sobre como gerar sobrecarga no processo de seleção da informação, tomada de decisão e ação do jogador, pois para gerar um ambiente de aprendizagem é preciso trazer um problema condizente com a zona de desenvolvimento proximal do atleta.
Nos jogos conceituais, o que se preconiza é o desenvolvimento de conceitos de jogo que se aplicam em diferentes situações. Nesses jogos, os atletas são submetidos a estímulos que visam desenvolver o entendimento individual e coletivo de alguns conteúdos gerais e específicos do jogo.
Por exemplo, imaginemos uma situação hipotética em que preciso modificar o tipo de marcação de minha equipe, da marcação mista para a zona. Para que esse processo seja realizado de forma adequada, os jogadores precisam entender o conceito de marcação por zona em jogos conceituais, no qual o espaço geralmente é menor e as situações problemas ficam mais evidentes.
Sendo assim, ele tomará consciência das premissas, dos conceitos e implicações desse novo conteúdo em questão e a transição do tipo de marcação acontecerá de forma adequada.
Nos jogos conceituais, os campos, o número de jogadores e suas dinâmicas são variadas e se adequam, agora, aos conceitos que precisam ser desenvolvidos.
Os jogos específicos: nesse tipo, os conceitos são abordados em ambiente específicos. Isso significa que os conceitos desenvolvidos nas atividades conceituais são transportados para situações mais próximas às realidades específicas do jogo formal.
Por exemplo, após o desenvolvimento do conceito da marcação por zona, em que o jogador entenderá que sua movimentação precisa ser realizada em função da posição da bola, dos espaços e de seus companheiros, ele será submetido a situações específicas no campo de jogo. Nele, o tipo de marcação se somará ao esquema tático, as regras de ação e ocupação de espaço da equipe.
Nessas atividades, as regras do jogo em si são respeitadas, enquanto que nas atividades conceituais pode haver gols próximos um dos outros ou campos com dimensões bem reduzidas, fato que não ocorre nesse tipo de jogo. O campo pode ser reduzido, mas não descaracterizado, ou seja, não pode haver um gol dentro do círculo central do campo, por exemplo.
Nos jogos contextuais, o objetivo é preparar a equipe para o jogo do fim de semana. Nesse tipo de jogo, as características do adversário são levados em conta e as atividades são construídas a fim de que minha equipe se prepare para resolver os problemas impostos pelo adversário e/ou manipulá-los contra o mesmo.
Esses jogos acontecem geralmente em ambiente específico e são amplamente utilizados em equipes profissionais.
Cada jogo possui suas características particulares que se integram dentro de um processo de formação de equipes. Cada um tem sua importância e funcionalidade ao longo do planejamento, mas é preciso cuidado para organizá-los ao longo dos anos, meses, semanas e dias...
Não basta saber criar um jogo, mas é preciso saber quando, onde, para quê, por que...
Até a próxima.