terça-feira, 23 de agosto de 2011

A competição no processo de treinamento: O jogo é treino?


Caros leitores, esse texto não vem para discutir o papel pedagógico (ou não...!) da competição ao longo do processo de treino da equipe. O professor Alcides Scaglia traz essa discussão na coluna “As escolas de esportes e a competição” disponível na Universidade do Futebol.

O que vou discutir com vocês hoje é o real papel da competição como um estímulo fundamental para o desenvolvimento de jovens atletas e de equipes profissionais.

Ao longo das últimas colunas afirmei que o treino deve ser jogo, mas e o jogo formal será que é treino?

Em minhas experiências ao longo dos anos em competições de base, notei que inúmeras equipes se baseiam em um jogo de bolas longas, para não chamar de chutões, onde os únicos jogadores que participam efetivamente do jogo são os zagueiros que “quebram” (não os jogadores adversários, mas a bola...coitada...) e os atacantes que disputam esse “lançamento” e tentam chegar ao gol adversário.

Observando esse fato descrito no parágrafo acima, imaginei por algum tempo como seriam os treinos para chegar nesse “modelo de jogo”.

Certo dia, tive a oportunidade de acompanhar um treino de uma equipe que jogava na “base do chutão”. O que notei foi que o treino não condizia com o jogo!

No treino os jogadores forma submetidos a 3 jogos. Em ambos o objetivo principal era a manutenção da posse de bola, fiquei curioso e perguntei se as atividades eram sempre daquela forma ou se aconteceram ocasionalmente. A resposta foi que todos os treinos obedeciam à mesma dinâmica e que a manutenção da posse de bola era um objetivo que perpassava o processo ao longo das categorias.

Perguntei sobre a discrepância entre o “modelo de jogo” do treino (Manutenção da posse de bola como princípio operacional de ataque predominante) e do observado nas competições (Chutão), a resposta foi que no jogo o objetivo era ganhar enquanto no treino o objetivo era formar.

No parágrafo acima reside um grande mito e um grande problema no processo de treino.

Uma orquestra ensaia a sinfonia que vai tocar no espetáculo e não as que não vai tocar, se for tocar a “Sinfonia Nº 9 de Beethoven” não vai ensaiar a “Sinfonia Nº 40 de Mozart”. Assim deve ocorrer no futebol, se treino a manutenção da posse de bola, espero que no jogo este seja o princípio que norteará minha equipe nos momentos de ataque.

Tanto o espetáculo para a orquestra, como a competição para a equipe são grandes treinamentos específicos onde as demandas física/técnica/tática/mental são exigidas ao máximo.

Em suma, a competição é o treino mais específico que se pode ter!

Além disso o jogo formal é um grande teste qualitativo para a equipe e traz inúmeras situações problemas que fará com que os jogadores estejam em uma constante busca pela organização em meio a um ambiente caótico. Nele podemos observar se os jogadores estão evoluindo e solucionando melhor os problemas específicos da modalidade.

O treino e o jogo devem caminhar juntos.

Nesse processo a vitória não pode ser excluída, pois ela faz parte da cultura do futebol . Contudo mudar a forma de jogar para ganhar pode significar que o modelo de jogo que vem sendo desenvolvido nos treinos está voltado para o adversário e não para o jogo propriamente dito. A equipe deve ser preparada para jogar o jogo, segundo Van Gaal a equipe precisa agir em ação e não em reação ao adversário modificando sua forma de jogar em função do mesmo. Acrescido a isso deve haver uma cultura de jogo do clube que não se modifica jogo a jogo.

O Barcelona é o maior exemplo de uma equipe que possui uma cultura de jogo, um modelo de jogo, joga em ação e vence suas partidas sem modificar esses aspectos. Joseph Guardiola logo após vencer um dos clássicos contra o Real Madrid afirmou que não foi a vitória de uma equipe mas de uma filosofia de jogo que não se altera independente do adversário.

Acredito que é essa filosofia aliado ao fato de que devo jogar o jogo e não contra o adversário é que deve unir os treino e jogos! O treino é jogo e o jogo é o treino mais específico que se pode ter se for bem orientado. Ganhar com um modelo que não condiz com seus treinamentos pode ocorrer ocasionalmente, mas treinar como se pretende jogar levando a vitória em consideração é fundamental para a manutenção do rendimento dos atletas e da equipe.

Principalmente na base onde a formação deve ser tanto no treino como no jogo! Ganhar no chutão na base não se justifica e prejudica o sonho de muitos pequenos atletas, então cuidado!

Para finalizar cito nossa seleção que jogou contra a Alemanha nesta semana. Durante todo o jogo a equipe alemã teve uma maior posse de bola, criou as melhores chances e apresentou um futebol mais vistoso (até algum tempo eles eram os ditos “tático”, “duros”, que só jogavam na “força” e no “lançamento”), enquanto a seleção brasileira esperou a equipe adversária e jogou no contra ataque. A partir do jogo tive as seguintes dúvidas que compartilho com vocês:

Será que nossa forma de jogar foi modificada para enfrentar a Alemanha? Será que essa mudança faz parte do processo? Será que temos uma cultura de jogo? Será que os treinos foram de uma forma e o jogo foi de outra?...

Inúmeras perguntas surgiram mas não cheguei a nenhuma afirmação concreta, pois não acompanho o dia-a-dia de treino de nossa seleção. Se alguém tiver essas respostas me avise.

Até a próxima!

Bruno Baquete

domingo, 14 de agosto de 2011

O treinamento de goleiro: para todos da comissão técnica!


Treinar o goleiro significa prepará-lo para resolver os problemas do jogo tanto na ação de proteção da meta como na participação da organização coletiva da equipe.

O goleiro é um jogador com ações distintas dos demais atletas no futebol. Ele é o único que pode tocar a bola com as mãos e que tem a difícil missão de proteger a meta das investidas do adversário.

Contudo sua ação se resume a proteção à meta?

Com o objetivo de responder a pergunta à cima fiz um estudo sobre a ação do goleiro dentro do jogo. Neste estudo analisei todos os jogos de 2 jogadores desta posição no Campeonato Brasileiro de Futebol de 2009.

O fato foi que me surpreendi um pouco com os resultados. Vou apresentar de forma resumida alguns dados encontrados.

Os dados gerais me mostraram que o goleiro A agiu em média 37 vezes durante o jogo, (contando apenas ações com bola) já o goleiro B agiu 28 vezes, 9 ações a menos. As equipes tiveram um desempenho parecido ao longo do campeonato e não houve diferença significativa nas finalizações sofridas em ambos, então comecei a refletir sobre os motivos que levavam essa diferença numérica de ações entre o jogadores.

Para análise dividi as ações em “Habilidades Específicas”(ações de proteção a meta), “Reposições” e “Passes”.

Ambos os goleiros tiveram a reposição como a ação de maior incidência dentro do jogo, seguido dos passes e por último, acreditem, ficaram as habilidades específicas.

Resolvi ir a fundo em cada uma das ações.

Nas habilidades específicas cada um agiu em média 7 vezes durante as partidas e a saída é a ação de maior incidência nesse aspecto.

Nas reposições os dados me mostraram que o goleiro A tinha um aproveitamento de 65,9% e o goleiro B 43,3%.

Nos passes essa discrepância era maior ainda 73,5% contra 46,8%. O goleiro B recolocava a bola em jogo e fazia o passe mais para a equipe adversária do que para sua própria equipe.

Em meio a esses dados observei que o goleiro A além de ter um aproveitamento maior nos passes participava mais neste quesito. Enquanto o goleiro B realizava 6 passes em média por jogo o goleiro A realizava 15. Sendo assim a diferença “estatística” entre os goleiros estava na participação com os pés dentro do jogo.

Com esses dados podemos levar a discussão para inúmeros caminhos, contudo quero discutir a especificidade do treinamento e a participação deste atleta no modelo de jogo da equipe.

Para o treino ser específico ele precisa se apropriar da realidade encontrada no jogo. No jogo observei que esses atletas específicos agem relativamente pouco em ações de proteção a meta, logo o treino deve levar em consideração esse fato. Se não corro o risco de preparar o goleiro apenas para essas “7 ações” de proteção a meta dentro do jogo.

A realidade desta posição não se resume a essas ações, contudo as ações de proteção a meta são emergências, aleatórias e requerem uma resposta adequada para que o adversário não marque o gol. Para dar as melhores respostas este jogador precisa ser treinado de forma ADEQUADA e não de forma EXAUSTIVA, pois isso não representa a especificidade do jogo.

Um goleiro no jogo dificilmente fará 4 defesas no mesmo lance, ele terá que defender bem apenas 1 bola durante um longo intervalo de tempo, às vezes durante todo o jogo. Para defender essa única bola ele precisa analisar, tomar a melhor decisão e agir da melhor maneira possível.

Durante o restante do tempo de uma partida o goleiro precisa estar inserido na organização coletiva da equipe!

Essa inserção não é nada fácil e os treinos precisam ser elaborados para tal.

Visto que o goleiro B parece não estar integrado no modelo de jogo da equipe e não possui uma boa relação com bola com os pés. Essa não integração não atinge apenas o goleiro mas toda a equipe, pois se esse jogador recoloca a bola em jogo ou faz um passe mais de 50% das vezes de forma errada toda a equipe precisa se organizar rápido para recuperar a bola ou para impedir que o adversário chegue até o gol.

Já o goleiro A é um exemplo de goleiro integrado no modelo da equipe e vem se destacando por isso há algum tempo. Ele é um jogador como outro qualquer antes mesmo de ser goleiro. Em muitos jogos ele participou da manutenção da posse de bola, fez coberturas, cortou lançamentos, etc. Várias de suas ações realizadas com os pés evitaram que a equipe adversária chegasse a sua meta.

Será então que quanto mais integrado o goleiro menos ele agirá nas ações de defesa à meta?

Claro que a resposta não é nada simples e cada comissão deve pensar em seu modelo de jogo e em como o goleiro deve participar do mesmo.

O fato é que a integração é complexa e as atividades devem ser elaboradas a fim de atingir os objetivos relacionados às “habilidades específicas”, “reposições” e “passe” do goleiro.

A atividade abaixo ilustra como uma atividade pode ajudar na integração do goleiro na organização coletiva da equipe e desenvolver sua habilidade com os pés.
Lembre-se que essa atividade é utilizada para fins didáticos e não pode ser entendida e aplicada de forma isolada mas sempre contextualizada ao modelo de jogo da equipe e ao processo de treino.

Descrição
- Atividade é composta por 2 equipes de 4 jogadores mais 1 goleiro.

Pontuação
- Equipe marca 3 pontos se fizer o gol.
- Equipe marca 1 ponto se trocar 5 passes utilizando o goleiro.
- Equipe marca 5 pontos se trocar 5 passes utilizando o goleiro e fizer o gol.


Lembre-se nada é receita de bola, ou bolo...

Até a próxima!

sábado, 6 de agosto de 2011

Como treinar o Passe?!


O passe não se resume a ação motora apenas, mas na resolução do problema imposto pelo jogo através da transmissão da posse de bola para um companheiro de equipe.

O passe é caracterizado pela transmissão da bola entre dois jogadores da mesma equipe. Para a realização do passe o jogador pode utilizar qualquer parte do corpo exceto braço, antebraço e mão. Isso tudo é óbvio mas como treinar esse fundamento que é o de maior incidência no jogo de futebol?

Para iniciarmos essa discussão vamos a alguns fatos...

Na Copa do Mundo de 2010 o jogador espanhol Xavi foi quem mais realizou passes durante toda a competição, contabilizando 669 ações neste fundamento. Esse jogador participou de todas as 7 partidas da Espanha jogando 636 minutos, ou seja, realizou pouco mais de 1 passe por minuto e teve um aproveitamento de 81%.

Podemos dizer que esse jogador atingiu a maestria no ato de passar a bola. Essa maestria ocorreu devido a diversos estímulos provenientes do treinamento e dos jogos ao longo dos anos.

Contudo, o gesto motor é que define a maestria desse jogador? Se o movimento for “perfeito” os passes chegarão com precisão ao seu destino?

Vamos lá,

De todos esses passes realizados nenhum aconteceu em um ambiente idêntico, onde os jogadores estavam posicionados da mesma forma, a bola percorreu a mesma distância,
na mesma região do campo, etc, etc, etc...

Todos os passes foram realizados em um ambiente complexo e aleatório, onde duas equipes se confrontam em busca do melhor resultado para si. O ato de passar se releva maior que o gesto motor. Passar é apenas a manifestação da ação que começa na análise da situação, passa pela tomada de decisão e chega até o gesto motor propriamente dito, que também não é apenas o gesto mas carrega uma série de construtos sociais, culturais, atitudinais, etc. do atleta.

Se UMA solução APENAS for treinada e mecanizada a fim de resolver todos os problemas envolvendo a transmissão da posse de bola, provavelmente o que teremos será um jogador incapaz de apresentar as melhores soluções dentro do jogo, pois estamos negando a complexidade do ato de passar e nos focando apenas no gesto estereotipado em si.

Sendo assim, como treinar o passe?!

O passe deve ser treinado em um ambiente imprevisível e aleatório onde o jogador será estimulado a resolver os problemas impostos pelo jogo a partir da transmissão da posse para um de seus companheiros de equipe.

Neste ambiente a análise da situação, a tomada de decisão e a ação estarão se desenvolvendo de forma integral tendo o jogo como norte.

Contudo, preciso alertá-los que o passe está inserido dentro das “competências essenciais” do jogo de futebol, mais precisamente dentro da “relação com a bola”. Vale destacar que as competências essências são habilidades fundamentais para o jogo. Além da “relação com a bola”, a “estruturação do espaço” e a “comunicação na ação” fazem parte dessas competências. Vale destacar ainda que essas competências devem ser o foco de desenvolvimento nas categorias menores dentro da base dos clubes.

Desenvolver o passe significa desenvolver a relação entre o jogador e a bola em todo o processo de transmissão da posse de bola, pois como foi descrito acima o passe pode ser feito com diversas partes do corpo e quanto mais recurso o jogador tiver na “relação com a bola” maior será sua habilidade e sua capacidade de resolução de problemas quando este está em contato com o objeto de disputa do jogo.

Para tentar clarificar “praticamente” essa discussão descrevo abaixo um exemplo de atividade que se bem orientada e inserida dentro de um processo de treino adequado pode contribuir para o desenvolvimento da relação com a bola no que diz respeito ao passe contextualizado ao jogo de futebol.


Descrição

Matriz
- Atividade é composta por 2 equipes de 5 jogadores mais 2 coringas que jogarão para a equipe que estiver com a posse de bola.
- O objetivo da equipe que está com a posse de bola é trocar 10 passes entre seus jogadores.

Variações
- 1º momento: passes serão livres.
- 2º momento: passes com a perna não dominante.
- 3º momento: o passe tem que ser de primeira se for realizado com a perna dominante e os toques são livres se o passe for realizado com a perna não dominante.
- 4º momento: a cada 2 passes um deve ser de primeira.
- 5º momento: a cada 2 passes um deve ser realizado para o quadrante oposto ao da bola.



Veja que as regras potencializam o passe como foi dito, mas cada uma das variações age de maneira diferente em todo o processo de análise da situação, tomada de decisão e ação motora.

No 1º momento o foco é no passe e não há limites de toques na bola. Nos 2º e 3º momento o foco passa a ser na utilização da perna não dominante. Já no 4º e 5º momento o foco é na análise da situação e na tomada de decisão. Com isso há sempre um novo conflito sendo gerado e a evolução da relação com a bola é constante.

Por hoje cesso meus conflitos para por aqui!

Até a próxima.

Bruno Baquete