segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A Integração do Goleiro no Modelo de Jogo da Equipe.

Segundo a “International Board” existe apenas um jogador que pode utilizar as mãos durante uma partida de futebol. Esse jogador possui suas peculiaridades modeladas por essa regra específica que delimita também onde este pode utilizar as mãos para tocar a bola (a grande área de sua equipe). Fora da grande área, o goleiro, pode utilizar qualquer parte do corpo para tocar a bola exceto os braços e as mãos como qualquer outro jogador. Até a década de 90 a regra também permitia a utilização das mãos pelos goleiros quando a bola era recuada por um jogador de sua equipe, após essa data os goleiros não mais poderiam utilizar deste artifício. Com a mudança desta regra alguns goleiros passaram a não mais participar do jogo quando a bola estava com sua equipe. Eles se “auto-limitaram” a ficar “dentro do gol” esperando futuras investidas da equipe adversária.

Entretanto alguns goleiros utilizaram a regra a seu favor, como o caso mais famoso no Brasil do goleiro Rogério Ceni (Goleiro do São Paulo F. C.), que em outubro de 2007 foi capa da revista “Placar” que o intitulou de “Ceni: O revolucionário” não só pelas cobranças recorrentes de falta, mas pelo seu entendimento coletivo do jogo e de sua participação com os pés. Segundo o próprio goleiro a sua participação com os pés constituem mais de 50% de suas ações no jogo. Mesmo quando Rogério não está participando através de ações com bola no jogo, ele está participando a fim do cumprimento do modelo de jogo da equipe. Como mostra a figura abaixo retirada da revista Placar (de outubro de 2007. Ed. 1311), onde o goleiro aparece como o “zagueiro da sobra”:

Foto: Placar

Na mesma revista Gilmar Rinaldi (Ex- goleiro de futebol) afirma que não é nenhum exagero afirmar que o São Paulo com Ceni não joga no 3-5-2 mas no 1-3-5-2 pois o goleiro participa ativamente do jogo e que “ele está à frente do seu tempo”. Será que ele realmente está à frente de seu tempo ou o restante dos goleiros que pararam no mesmo?


Rogério Ceni é uma exceção a regra mas mostra que é possível sim inserir o goleiro no processo coletivo da equipe. Além dele existem outros goleiros lutando por esse espaço, mas esse movimento ainda é pequeno e existe muita resistência desde a base dos clubes.


A adaptação do goleiro ao modelo de jogo da equipe varia de país para país, continente para continente, clube para clube. Em determinados locais o goleiro é elemento inerente na construção ofensiva, de transição e defensiva da equipe, já em outros locais ainda se sente calafrios quando a bola é recuada para o goleiro ou quando este sai para interceptar um lançamento. Quero deixar claro que antes mesmo da mudança da regra, o goleiro poderia participar da construção coletiva do jogo e Rinus Michel o fez nos anos 70 com o Futebol Total holandês, onde o goleiro era utilizado como líbero pela equipe.


Mas como pensar o goleiro de forma completa inserido no modelo de jogo da equipe cumprindo princípios operacionais, estruturais e se comportando como um elemento que se relaciona e possui uma relação sinérgica e interdependente com os outros elementos do sistema?


Primeiro devemos entender o modelo de jogo da equipe, que em linhas gerais é o norte balizador das ações de todos os elementos do sistema nos 4 momentos do jogo (Ataque, Defesa, Transição Defensiva, Transição Ofensiva), no modelo de jogo o treinador traça comportamentos que espera que a equipe tenha no jogo formal propriamente dito. Para que a equipe atinja esse modelo esperado, o treinador deve planejar todos os seus treinos tendo por base a sua estrutura (do modelo de jogo).


Dentro do modelo de jogo discutiremos os princípios operacionais de jogo propostos por Claude Bayer (1994) que discute esses princípios através da ótica dos jogos desportivos coletivos de uma forma geral, no nosso caso utilizaremos uma visão voltada para o futebol em específico.


Os princípios operacionais são compostos por princípios de ataque:
- Ataque ao alvo, onde a equipe que ataca tem como padrão de comportamento atacar de forma prioritária o alvo assim que se inicia o momento de ataque.
- Progressão ao Alvo, onde a equipe tem como comportamento progredir ao alvo sempre que inicia o momento de ataque.
- Manutenção da posse de bola, onde a equipe tem como padrão principal manter a posse de bola.


Contrário a isso existe os princípios operacionais de defesa:
- Proteção ao Alvo, onde a equipe que se defende tem como prioridade proteger o alvo como comportamento.
- Impedir Progressão, onde a prioridade da equipe é impedir o avanço da equipe adversária.
- Recuperação da Posse de bola, onde a equipe tem como prioridade nos momentos de defesa recuperar a posse de bola.


Nesta análise deve se tomar alguns cuidados, pois muitos confundem os princípios de jogo com fase de ataque e de defesa onde à equipe deve transitar pelos 3 princípios em uma jogada para obter êxito. É claro que tudo está acontecendo a todo o momento, mas os princípios devem ser analisados como padrões da equipe e não fases.


O modelo de jogo contém o princípio operacional dominante da equipe e cada princípio traz implicações específicas a todos os jogadores da equipe e com o goleiro não é diferente. Contrariando a idéia de que ele vai agir apenas protegendo o alvo, o goleiro pode e deve agir de forma ideal respeitando a especificidade de sua posição. Faremos então uma análise a respeito dos princípios e a atuação do goleiro.


No princípio operacional de ataque de “manutenção da posse de bola” o goleiro deve participar ativamente com os pés a fim de aumentar a área de jogo da equipe e assim potencializar a possibilidade de cumprimento de tal princípio da sua equipe. No princípio operacional de “progressão ao alvo” o goleiro em especial deve repor a bola de forma adequada a tal princípio (claro que em todos os princípios o goleiro deve ter essa preocupação) a fim de potencializar o cumprimento do princípio da equipe, ou seja, deve se preocupar em fazer a bola progredir no campo de jogo, mas não de forma aleatória, ele deve aproveitar o fato de repor a bola com as mãos ou com os pés “sem” a pressão do adversário de forma adequada. O princípio de ataque ao alvo é pouco utilizado como padrão predominante de uma equipe do futebol e o goleiro participa relativamente pouco neste caso, usualmente ele participa em momentos extremos onde a equipe precisa do resultado e o jogo está acabando e o goleiro vai ao ataque tentar a finalização, ou também no caso de cobranças de faltas, onde o goleiro é o batedor.


Vamos agora para os princípios operacionais de defesa, começaremos pelo princípio operacional de “Recuperação da posse de bola” neste caso o goleiro deve agir na sua área de atuação realizando ações que visem recuperar a bola de forma mais “agressiva”, ou seja, deverá sair mais do gol, tanto para cortar cruzamentos, passes e lançamentos, mas sempre respeitando sua especificidade e nunca deixando o gol desprotegido. “Impedir progressão” neste caso o goleiro deve se posicionar de forma adequada conforme a movimentação da equipe e em jogadas diretas contra o adversário (1x1) deve realizar ações que visem impedir a progressão direta do adversário que em muitas vezes pode terminar em gol. “Proteção ao alvo” esse princípio parece ser inerente ao goleiro, em todas as situações a preocupação principal do goleiro deverá ser proteger o alvo, e ele agirá na maioria das vezes como ultima barreira para o cumprimento desse princípio e sempre em situações de grande urgência e com pouco tempo para resolver o problema e caso a decisão tomada seja pouco adequada à conseqüência pode ser o gol da equipe adversária. Esse último princípio parece ser o mais importante para o goleiro, mas como foi descrito acima o goleiro pode participar de forma ativa nos demais.


Todos esses apontamentos da ação do goleiro estão interligados e são utilizados a todo o momento. Foi feita a separação dos princípios por motivos didáticos e o goleiro deve a todo o momento responder de forma adequada ao estímulo e não se basear em apenas 1 opção. O importante nesta discussão é entender a essência da posição nos diferentes princípios de jogo.

Bruno Baquete

4 comentários:

Ricardo disse...

Muito bom o texto Professor! Obrigado por esclarecer aspectos importantes sobre goleiros.
Um abraço!

Futebol Integrado disse...

Obrigado, Ricardo!
Essa é apenas a ponta do iceberg em relação ao goleiro. Em breve trago novos textos sobre a temática.

Thiago Santa Barbara disse...

Parabéns pela escrita suave e objetiva!

Saudações!

Futebol Integrado disse...

Muito obrigado pelo apoio, Thiago!